Há sempre muitas dúvidas sobre que critérios se devem utilizar para avaliar um treinador. Para a maior parte das pessoas são os resultados, são os títulos. Para outra parte das pessoas são os modelos de jogo, os sistemas de jogo, ou a liderança dos treinadores. Para outros ainda, os treinadores devem ser avaliados pela adaptação ao contexto competitivo do ponto de vista estratégico, ou por lançarem mais ou menos jogadores da formação do clube. Para mim, porém, o critério mais importante não é esse. Se tivesse que escolher um treinador, seja lá para que equipa fosse, a primeira coisa para que olhava seria se nos trabalhos anteriores o treinador tinha conseguido convencer os jogadores a seguirem a sua ideologia. Depois, tudo o resto. Porque para mim, é essa a diferença fundamental entre os grandes treinadores (independentemente da ideia de jogo) e os treinadores banais. É isso que distingue, de forma categórica, as equipas de uns e de outros: olha-se para o jogo e o que se vê é o reflexo do treino. Se os jogadores reproduzem de forma fiel os princípios de jogo que o treinador impõe, e se a ideia de jogo está tão entranhada neles que não sejam capazes de se libertar dela sob que circunstância for. Um grande treinador tem isto. Consegue influenciar o jogador de tal forma que quando se separam durante muito tempo ele continua a jogar aquele jogo que aprendeu com ele, e começa até a rejeitar outras formas de estar no jogo.
Costuma-se dizer que quando o jogo está perdido, que quando as equipas percebem que não têm hipótese de chegar ao resultado pretendido, o jogo acaba para elas. Eu discordo. Acho que é precisamente nesses momentos que devemos estar mais atentos para perceber a influência do treinador nos jogadores. Se a equipa se perde e adopta acções que não fazia habitualmente e se aproveita a oportunidade para se libertar do treinador por não ter confiança absoluta nos processos impostos, ou se mesmo aí os jogadores reproduzem de forma cabal aquilo que vai na cabeça do treinador. A diferença entre as duas situações é só uma: a linguagem do treinador é também a dos jogadores ou não? Os jogadores estão perfeitamente convencidos que aquela forma é a melhor forma para se chegar ao resultado que pretendem, para se chegar ao golo, ou não? O jogador acredita no treinador ou não?! Há vários exemplos cabais disto, desde o Atleti de Simeone ao Nápoles de Sarri ou o Dortmund do Klopp. Mas, há dois exemplos inequívocos e um deles bem recente desta mesma ideia. O primeiro exemplo leva-nos de volta à melhor equipa da história: O Barcelona do Guardiola. Regressamos à segunda mão da final, contra o Inter de Mourinho, já nos descontos quando a equipa conquista um canto. Faltava cerca de um minuto para acabar o jogo e o que é que os jogadores decidem fazer deste canto? Sair a jogar curto, pois claro. Faltando apenas um golo para a final, num momento de desespero e pouco discernimento, os jogadores não conseguiram fugir daquilo que eram: Notável! O Barcelona acabou eliminado, mas naquele momento e apesar de ter perdido Guardiola mostrava ao mundo de que espinha era feito. Porque convenceu os jogadores de tal forma que eles foram capazes de morrer por aquela ideia. Para eles era aquela a fórmula para o sucesso, e era atrás dessa fórmula que iam. Com aquela escolha, os jogadores de Guardiola o separavam dos comuns e marcavam a diferença entre o seu treinador e a maior parte dos outros. É mesma diferença que Cruyff ou Sacchi marcaram: a ideia que eles vendiam aos jogadores triunfou. Não venceu os adversários, mas venceu o maior desafio que um treinador encontra: os seus jogadores.
E há na equipa de Paulo Fonseca uma semelhança incrível com tudo isto. Ontem, não ganhou o apuramento para a fase seguinte e ainda pode ser eliminado; mas ganhou algo bem maior. Ele hoje sabe que os jogadores dele não duvidam do seu processo de jogo e que o processo já é, também, deles. A vitória começa em Pyatov quando recolhe a bola depois de um livre directo. O guarda-redes como os comuns poderia, tendo em conta a situação e desespero, sabendo que precisava de marcar um golo com muita urgência, pontapear a bola para os colegas que se deslocavam na frente. Mas não. Não é isso que o treinador pede, não é isso que o treinador quer, não é para isso que o treinador trabalha. Ele coloca a bola jogável pelo chão. Rapidamente, como se impunha, mas a tentar fugir da aleatoriedade do jogo. O resto, o facto da equipa ter entrado dentro da área com a bola controlada, o facto dos jogadores terem feito pausas para dar tempo à chegada e ao movimento dos colegas, o não terem rematado de fora área assim que tiveram possibilidade, o não terem despejado a bola na área de qualquer forma, o terem combinado para tentar furar a defesa, e o terem criado uma possibilidade de quem finaliza fazer um passe para a baliza, é motivo para o treinador sorrir até ao final da sua carreira. Ainda que não o tenha feito naquele momento, talvez pela tensão do jogo e por sentir que não estava terminado. Paulo Fonseca não é Cruyff, não é Sacchi, nem é Guardiola. Mas é um treinador à sério, ainda que sejam outros a conquistar Ligas dos Campeões. Ser treinador com T é ser isto. Os outros podem ganhar mais e por isso serem mais falados, mas eu espero sempre que a diferença entre um treinador de nível mundial ou um qualquer curioso do jogo seja bem evidente.
