Maristher correu com o rim do marido para uma unidade
particular depois de esperar quatro meses por resultado de
biópsia que nunca foi feita em Nova Friburgo.
Foto: Reprodução / Inter TV
Desesperada, costureira foi atrás do rim em hospital público de Nova Friburgo (RJ), o recebeu num galão de suco de maracujá e correu para clínica particular. Marido questiona: 'Será que vai ter jeito agora?'.
A costureira Maristher Fukuoka, de 56 anos, afirma que só após quatro meses de espera pelo resultado da biópsia de um rim retirado do marido, descobriu que o Hospital Raul Sertã, em Nova Friburgo, na Região Serrana, não havia sequer encaminhado o órgão para análise no Rio de Janeiro, apesar dessa ter sido a informação recebida por ela no mês de março e que o resultado sairia de um a dois meses.
Ela conta que a informação verdadeira só veio em 13 de julho, após procurar a unidade dezenas de vezes em busca do resultado, que diria se o tumor do marido, Sebastião Mury, de 62 anos, é benigno ou maligno.
"A funcionária me disse: 'Não vou mais te enganar. O rim nunca saiu do hospital", contou .
Ela ainda esperou mais alguns dias, mas, em vez do resultado, ao ir ao hospital com o marido no dia 17 de julho, ela recebeu o rim do marido em um galão de suco de polpa de maracujá.
Foi então que a costureira, mesmo com poucas condições, correu para uma unidade particular para fazer o exame, que só ficará pronto em 14 de agosto.
"A funcionária ainda disse em tom de deboche que, se eu quisesse, poderia procurar o Ministério Público. Também falou que era comum que os pacientes pegassem os órgãos e fizessem as biópsias em clínicas particulares e que, inclusive, ela mesma tinha feito isso com o de um parente", relatou a costureira.
A cirurgia de Sebastião para a retirada do rim ocorreu no dia 20 de março. Quando ele teve alta, no dia 23 de março, Maristher conta que foi informada pelo hospital que o órgão tinha sido enviado para uma clínica no Rio, onde seria feita a biópsia, já que o exame não estava sendo feito no hospital.
Maristher lamenta terem tirado dela a chance de buscar outra alternativa por omitirem por tanto tempo uma informação. Ela conta que pagou R$ 600 pelo exame e dividiu em três vezes no cartão.
Abalada emocionalmente e com a voz fraca, Maristher disse ao G1 que o marido está preocupado com toda essa demora e que tem andado deprimido.
"Ele está com medo e fica me questionando: 'passou tanto tempo. Será que vai ter jeito agora?'".
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde de Nova Friburgo disse que foi criada uma comissão para analisar o caso. Afirmou ainda que diversas reuniões estão ocorrendo e, posteriormente, será emitido um parecer sobre esta situação especificamente.
A secretaria disse ainda que, atualmente, várias biópsias estão em processamento e cerca de 230 "peças", entre órgãos e outros materiais, estão aguardando para serem analisados.
Sobre as demandas reprimidas, a secretaria disse que foi devido ao desligamento de um profissional que realizava o serviço, mas afirmou que foi providenciada a contratação de um novo profissional e que o serviço será normalizado em breve.
A perda do rim
A costureira disse que o marido nunca tinha sentido nada. Até que no dia 14 de março deste ano começou a ter dores e achou que era uma crise renal. No dia 15, foi ao hospital pela primeira vez, colocaram uma sonda nele e ele foi para casa.
À noite, Maristher afirmou que a sonda entupiu e eles voltaram para a unidade. Sebastião ficou internado e fez a cirurgia no dia 20 daquele mês.
"O médico disse que era um tumor e que tinha que retirar o rim para fazer a biópsia. Agora, o cirurgião fica cobrando o resultado do exame e a gente não tem".
Sebastião é aposentando, mas trabalhava como mecânico. Segundo a costureira, desde que operou ele não pôde mais fazer esforço. A renda da família é a aposentadoria dele mais os trabalhos que Maristher faz. "Tem semanas que têm costura para fazer, mas às vezes não tem", contou.
Armazenamento
O município disse ainda que as peças de biópsia, neste caso o rim, são normalmente armazenadas em recipientes plásticos comuns, após serem devidamente higienizados e esterilizados.
Segundo os profissionais de Patologia do Hospital Municipal Raul Sertã, a prática é comum até mesmo em unidades hospitalares da rede particular e não implica em alterações nos resultados dos exames.
De acordo com a Prefeitura, o procedimento para o armazenamento correto do material é através da imersão em formol e não em geladeira. Na quantidade ideal de formol, a peça se mantém conservada por anos.
A respeito do rótulo no recipiente, em que consta escrito "polpa de maracujá", o município disse que será instaurado um inquérito administrativo para identificar os responsáveis e aplicar as sanções cabíveis.
Investigação
Diante de todo o descaso, Maristher afirmou que procurou a 151ª Delegacia de Polícia e registrou ocorrência.
O G1 tenta contato com a Polícia Civil para saber se foi aberto inquérito para investigar o caso.
A equipe de reportagem também procurou o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj).
Sobre o fato do hospital ter mentido para a mulher do paciente, o Cremerj disse que só pode apurar se houver uma denúncia oficial.
Já no que diz respeito ao procedimento de armazenar órgãos em recipientes diversos, o Conselho afirmou que é rotineiro em hospitais, desde que respeitem algumas regras, como o uso adequado do formol.
Com relação ao atraso na realização do exame, o Cremerj disse que cabe ao hospital fornecer as devidas explicações, assim como, no caso do uso de um galão de suco para armazenar o rim, também cabe à unidade apurar os fatos internamente.
Por Aline Rickly, G1 — Região Serrana
